A Princesa Caroline de Mônaco e o Embaixador Paulo Uchoa levam a Capoeira para a República Democrática do Congo

 

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Embaixador Paulo Uchoa jogando capoeira! (Foto Stefano Toscano)

 

A Embaixada do Brasil na República Democrática do Congo, a Associação Mundial dos Amigos da Infância (AMADE Mondiale), presidida pela Princesa Caroline de Mônaco, e o escritório do UNICEF na RDC lançaram, no dia 23 de agosto, o programa “Capoeira pela Paz”, cujo objetivo é o de oferecer a prática da Capoeira para crianças desmobilizadas de grupos armados em Goma, capital da Província do Kivu do Norte. Em seu primeiro ano, mil e duzentas crianças deverão ser beneficiadas pelo Programa.

 

'AMADE' Celebrates Its 50th Anniversary : Arrivals At Hotel Hermitage In Monte-Carlo
Caroline de Mônaco, a madrinha do projeto. (Foto Amade Mondiale)

Para melhor conhecer essa importante iniciativa de caráter humanitário, apresento uma entrevista exclusiva e em primeira mão com meu querido amigo Paulo Uchoa, Embaixador do Brasil em Kinshasa. Vejam que interessante:

 

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O competente Embaixador Paulo Uchoa. (Foto Vicente de Paulo)

 

MP: Embaixador, como surgiu a ideia do Programa?

PU: A ideia do Programa formou-se a partir de uma conversa da Princesa Caroline de Mônaco comigo e com o Comandante Militar da Missão de Estabilização das Nações Unidas na República Democrática do Congo (MONUSCO), o General brasileiro Carlos Alberto dos Santos Cruz, sobre a questão de crianças usadas como soldados nos conflitos que afetam o país. Durante o debate, ocorrido em junho de 2013, em Kinshasa, a Capoeira, com seu duplo aspecto esportivo e social, foi mencionada por nós como uma atividade cuja prática poderia ser integrada como ação complementar no processo de reconstrução individual e de reintegração social de crianças desmobilizadas de grupos armados.

 

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Jovens capoeiristas de Kinshasa. (Foto Stefano Toscano) 

 

MP: Antes da concepção do Programa, a Capoeira já era conhecida no Congo?

PU: Sim. Com origens na própria África, a Capoeira digamos “brasileira” chegou a Kinshasa em 2006, como parte do festival Cœur d’Afrique, organizado pela Embaixada da Bélgica. Durante a preparação do festival, os hoje coordenadores do grupo Capoeira Congo foram os primeiros alunos de Capoeira na RDC. Ficaram apaixonados pelo esporte. Determinados, após o festival, passaram a organizar sessões de formação via internet com mestres na Bélgica e em outros países. Em seguida, começaram a ministrar aulas para jovens que queriam aprender a jogar a Capoeira, muitos deles em situações sociais precárias.

MP: O tema “criança soldado” é identificado como uma das grandes mazelas da África. Qual é a dimensão do problema na República Democrática do Congo?

PU: A RDC é o segundo maior país da África e conta com 70 milhões de habitantes. As décadas de conflito por que passou aumentaram a vulnerabilidade das populações civis. As crianças foram particularmente afetadas; muitas delas ou foram mortas ou foram sequestradas e forçadas a trabalhar como soldados. Embora o problema ultrapasse suas fronteiras, o recrutamento forçado de crianças conhece proporções particularmente alarmantes na RDC. De acordo com dados disponíveis, em 2014, estima-se que mais de três mil crianças estejam associadas a forças e grupos armados no país.

MP: E que resultados a Capoeira pode trazer para as crianças desmobilizadas?

PU: Estruturada ao longo dos séculos por grupos socialmente excluídos, a Capoeira foi habilitada, em décadas recentes, como prática esportiva e de interação social, sendo uma das atividades brasileiras culturais mais difundidas no mundo. As crianças desmobilizadas conhecem uma realidade de exclusão. Foram extraídas de suas famílias, tiveram sua infância roubada, foram treinadas para o combate. É muito comum que, imediatamente após a desmobilização, elas se sintam isoladas e excluídas; muitas delas são mesmo rejeitadas por suas famílias.

 

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Paulo Uchoa e Barbara Bentein em meio aos novos capoeiristas de Goma. (Foto Stefano Toscano)
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Os novos capoeiristas aprendendo a gingar! (Foto Stefano Toscano)

 

A prática da Capoeira, associada a outras atividades como a escolarização e o acompanhamento psicológico, poderá desempenhar papel importante no processo de ressocialização e de superação dos traumas que permeiam o consciente e o inconsciente dessas crianças.

MP: Essa sua expectativa baseia-se em outras experiências? 

PU: Com certeza. Já faz algum tempo, a prática da Capoeira vem ganhando uma nova dimensão: sua utilização como tecnologia social aplicada em áreas de conflito com o objetivo de se reduzir a violência. No Brasil, há muitos exemplos de como a capoeira tem sido usada como instrumento de pacificação social. No exterior, o programa “Gingando pela Paz”, em execução em Porto Príncipe, Haiti, desde 2008, pela ONG Viva Rio, tem gerado resultados muito encorajadores. O programa foi implantado como parte de uma estratégia maior para tratar crianças e adolescentes desmobilizados das gangues urbanas que atuam nas ruas da capital haitiana.

MP: Conte-nos um pouco mais sobre os detalhes do Programa.

PU: O Programa-Piloto será cofinanciado pela Coordenação-Geral de Assistência Humanitária do Ministério das Relações Exteriores e a AMADE Mondiale. Sua gestão está a cargo de um comitê composto por representantes da Embaixada do Brasil em Kinshasa, da AMADE Mondiale, do UNICEF/RDC, da Associação Capoeira Congo e da ONG brasileira Viva Rio. Essas pessoas serão responsáveis pelos seus aspectos estratégicos, logísticos, financeiros, de recursos humanos e de comunicação.

O Programa terá duração de um ano, estará sob a sob a supervisão do escritório do UNICEF em Goma e a Capoeira será ministrada em Centros de Trânsito e Orientação que acolhem crianças e adolescentes recentemente desmobilizados.

MP: E o que você prevê para o futuro com esse projeto?

PU: Nos entendimentos que mantive com a AMADE Mondiale e o UNICEF, durante os meses de montagem do programa, ficou combinado que executaríamos um programa-piloto de 12 meses. Nesse período faremos avaliações periódicas dos resultados. Se em seis meses os dados se mostrarem encorajadores, iremos começar o planejamento de um segundo ano. Paralelamente a inciativa poderá ser estendida para outras cidades da República Democrática do Congo e até mesmo para outros países da região onde existem crianças associadas a forças e grupos armados.

 

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Barbara Bentein, Representante do UNICEF na RDC, com o Embaixador Paulo Uchoa e a equipe do programa. (Foto Stefano Toscano)
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O Governador do Kivu do Norte Julien Paku sendo informado sobre o Programa pelo Embaixador Paulo Uchoa e a Representante do UNICEF Barbara Bentein. (Foto Stefano Toscano)

 

MP: Que avaliação você faz da parceria tripartite Embaixada do Brasil X AMADE Mondiale X Unicef?

PU: Estou bastante otimista sobre os resultados positivos que devem emanar dessa parceria. A Princesa Caroline de Mônaco tem larga experiência em atividades filantrópicas. Inteligente e bem informada sobre questões contemporâneas, é definida por seu amigo o Príncipe Dimitri da Iugoslávia como uma mulher da Renascença. Seu envolvimento com ações humanitárias é antigo e, desde que assumiu a presidência da AMADE Mondiale, criada por sua mãe, a Princesa Grace, as atividades da Associação expandiram e tornaram-se mais sofisticadas. Seu apoio ao programa desde a sua concepção é um elemento importante para o seu êxito, conferindo ampla visibilidade aos resultados.

A adesão da Unicef ao programa constitui outra conquista importante. A organização tem um importante mandato no domínio da proteção dos direitos da criança, aspecto convergente com os objetivos da iniciativa “Capoeira pela Paz”. As ações do UNICEF em Goma, epicentro de um dos mais graves conflitos das últimas décadas, integram estratégia maior do Governo da RDC e da comunidade internacional em favor da paz e da justiça social. Sua experiência de 20 anos de atividades na província do Kivu do Norte oferece uma plataforma útil para a execução do nosso programa.

MP: Esperamos que o programa seja implantado em vários outros países que enfrentam o mesmo problema, pois o esporte muda a alma da criança.

 

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