UM PERFUME DE MULHER COM CHEIRO DE MULHER CHANEL 5

Pedro Gordilho não só é um dos grandes advogados deste pais, como também um excelente escritor. Recentemente publicou um livro com suas experiências de viagem pelo mundo, se chama “Sementes do Destino” são crônicas divertidas e muito bem escritas de uma pessoa que sabe viver a vida “comme il faut “.

Abaixo uma crônica especialmente escrita para o 40 forever sobre um dos melhores perfumes deste mundo: Chanel n 5. MP

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Foi Ernest Beaux, um perfumista francês que trabalhava para corte da Rússia, encontrado em Grasse no ano de 1920, que Gabrielle Chanel confiou a missão de imaginar seu primeiro perfume. Juntos eles criam um perfume de mulher com cheiro de mulher (un parfum de femme à odeur de femme), como ela se orgulhava de classificá-lo. Imaginado como um vestido de estilista, o nº 5 é a primeira fragrância que se ressalta como uma abstração: rompe com as fragrâncias em voga, que não invocavam senão um aroma figurativo e identificável (a rosa, o jasmim, o lilás)

O perfume criado pela dupla não propõe nenhuma nota dominante, pois nenhuma fragrância se desprende dos seus oitenta componentes. Ernest Beaux misturou as essências naturais, produtos de síntese, aldéhydes que exaltam todo o seu frescor. Este é um dos segredos dessa produção audaciosa e inovadora que evoca tanto a mulher como, por igual, uma flor misteriosa, não identificável.

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Arthur Capel e Coco Chanel

Tudo faz supor que a historia do Chanel nº 5 começa num momento em que Gabrielle Chanel perde seu amor, Boy Capel, em dezembro de 1919. Arthur Capel, dito Boy, ocupa um lugar central na historia de Gabrielle. Ele foi um grande amante, um grande amigo e um estimulador para a leitura. Foi ao lado de Boy Capel que ela se tornou uma leitora atenta da boa literatura e, mesmo sem ele, Gabrielle prosseguiu seu dialogo sentimental através dos livros por ele sugeridos enquanto durou a ligação.

O luto vai fazer nascer algo novo. Gabrielle conseguirá esquecê-lo através da criação de seu primeiro perfume. Portanto, o nº 5 nascerá, da falta e da ausência, estreitamente ligado ao destino de Gabrielle, reminiscência de um amor interrompido brutalmente mas que ela continuará amando durante toda a sua vida. Sublimando o luto na criação, Gabrielle Chanel se oferece e apresenta ao mundo um perfume da eternidade.

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Paris, começo do ano de 1921. Gabrielle Chanel conhece o Grand Duc Dimitri Pavlovitch. O Duc tem trinta anos, Gabrielle tem oito anos mais: ela o fascina, ele a seduz. A ligação entre os dois vai durar cerca de um ano, mas sua imensa amizade se prolonga até a morte de Dimitri, em 1942. Gabrielle mergulha fundamente e se deixa levar, sob a influência russa, naquilo que exprime através de sua criação.

Foi graças ao dialogo permanente com seus amigos artistas, poetas, escritores e músicos que Gabrielle Chanel cria sua própria lenda. À imagem de muitos de seus amigos, entre os quais Pablo Picasso, Mademoiselle Chanel cria, inventa uma linguagem que vai rapidamente se impor como sendo a linguagem da modernidade, do atual, do contemporâneo. Se Picasso desconstrói com o cubismo o espaço pictural herdado da renascença, Chanel, de seu turno, redesenha a silhueta feminina, libera o corpo daquilo que o entrava, desperta o movimento, precisa a linha. E, sobretudo, cria a conduta, o comportamento feminino.

Em 18 de maio de 1917 tem lugar no Théâtre du Châtelet, em Paris, a premiére de Parade. Este balé em um ato surpreende o público por seu tom deliberadamente vanguardista. Serge Diaghilev, fundador da famosa troupe dos ballets russes, confiou a coreografia ao bailarino Leonide Massine e encomenda o libreto a Jean Cocteau, a quem dá carta branca para constituir sua equipe. Cocteau escolhe Erik Satie para a música e Pablo Picasso para a cortina de cena, a decoração e os figurinos. No prefacio do programa, Guillaume Apollinaire evoca “a aliança da pintura e da dança, da plástica e da mímica, que é o inicio do surgimento de uma arte mais completa”.

Muito próxima dos vanguardista, Gabrielle tem sempre ao seu lado os principais protagonistas do movimento Dada em Paris, Tristan Tzara e Francis Picabia. Rompendo com as convenções e dinamitando o espírito pequeno burguês, Dada é o verdadeiro laboratório do qual irão surgir as formas novas tanto em matéria de produção poética como nas artes plásticas. Dada prefigura, desenha o surrealismo.

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Colagem cubista de Picasso

O começo do século XX assiste o triunfo da abstração, o cubismo propõe uma visão renovada do espaço. As colagens cubistas de Picasso e a técnica dos placards, organização em colunas para facilitar a correção, usada por Marcel Proust na mesma ocasião para corrigir seus manuscritos, apresentam grandes semelhanças plásticas. A primeira embalagem do frasco no nº 5 é, por igual, uma colagem. É um estojo de papel, colado e sublinhado de negro, no qual o rigor trai uma audácia incomum no registro da indústria da perfumaria.

Desse perfume, tão inovador, Gabrielle faz um manifesto, assinalando aquilo que existe então de mais moderno: uma colagem no espírito cubista.

O nº 5. Esse algarismo, que Gabrielle Chanel se atribui como um fétiche, resvala de um elemento a outro em seu universo. Mas no ano de 1920 / 1921, o algarismo 5 toca também um bom número de artistas celebrados, alguns próximos de Gabrielle. Igor Stravinsky, que ela alberga a partir do outono de 1920 e durante cerca de dois anos, com toda sua família, em Bel Respiro, sua Villa de Garches, compõe nesse período pequenas peças para crianças intituladas “Os Cinco Dedos”. O festejado filme Coco & Igor retrata essa ligação afetiva. Seria como que uma espécie de osmose criativa. Essa partitura é datada de 1921, exatamente o ano de lançamento do perfume Chanel nº 5.

Coco Chanel era exclusiva, calorosa, atraente, independente e dona de seu destino. Ao ser acusada de colaboracionista, por ter sido amante de oficial nazista na Paris ocupada, respondeu: — “A mulher de meia idade, que sente o interesse de um homem, não pede para ver seu passaporte”.

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Virou, o nº 5, uma lenda cultivada pelas pessoas de gostos refinados. O pensador Froment disse que o Chanel nº 5 não é um perfume, é um objeto de cultura. Ele é apoiado numa aventura profundamente interior, que é o apanágio dos grandes criadores. É uma criação moderna. Está caminhando para o seu centenário e se apoia totalmente sobre a aventura artística da Historia. E a atriz, Marilyn Monroe, inesquecível, aquela deusa, colocou o Chanel nº 5 no mundo do consumo sofisticado eternizando seu uso, ao declarar que “dormia vestida com apenas duas gotas do Chanel nº 5”.

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