SEMPRE REINVENTANDO A VIDA POR MANOEL THOMAZ CARNEIRO

Nosso querido professor Manoel Thomaz Carneiro já esta em Paris se deleitando, mas não esqueceu do bloq e mandou com exclusividade este texto para enriquecer nosso dia a dia, como o faz com maestria todas as semanas.

Manoel vai ficar 3 meses em Paris e será nosso correspondente por lá por estes tempos. Eu amei este texto e espero que vocês também. Ele sempre consegue se reinventar nos reinventando junto com ele. Que sabedoria! Amo os conhecimentos que ele me passa,  sempre engrandecendo a minha alma.

MP

Ritos de Passagem: Reinvenção da Vida

Neste sábado fui ao casamento de uma amiga no Itanhangá. Na verdade, considero toda a família minha amiga, desde os avós.

A noiva, delicadeza em pessoa, me convidou em Abril deste ano para falar na cerimônia. Nela a história do encontro foi animadamente contada pela Juíza…

Fê e Leleco, como são chamados, se conheceram sob os encantos que a vida muitas e muitas vezes nos reserva. Uma distância geográfica os separava, pois viviam em cidades diferentes, mas um dia ele veio ao Rio e resolveu aceitar um convite para ir a praia, o que não era o programa preferido de nenhum dos dois, e lá neste inabitual lugar na vida deles, foram apresentados por acaso e logo os olhos da alma se entreolharam. Sempre achei que esses “cliques” tem algo do mundo subjetivo mesmo, como se uma parte bem profunda de nós fosse a reconhecedora do outro que buscamos. Aquele grande “outro” que se não o tivermos, pensamos que nossa vida não será mais a mesma. Começaram as idas e vindas características dessas relações que envolvem distâncias. Um ano depois, ele a convidou para uma viagem a África do Sul e durante o vôo, enquanto ela dormia, colocou um anel sobre a mão com um pequeno cartão amarrado onde estava escrito estas deliciosas palavras, que caem como uma pluma em nossos corações quando amamos: “Você quer casar comigo?”.

Parece filme de Julia Roberts, não é? Neste mundo tão prático uma história dessas, só contribui para poetizar um pouco mais a vida e fazer que os sonhos românticos possam ser conservados no coração de todos nós. Senão para vivê-lo aos menos para sonha-los.

Chegado o momento da minha fala, eu ali diante destes noivos tão lindos e lúdicos, comecei minhas palavras sob a explanação da origem do sentido das cerimônias na vida humana. Nos povos primitivos as solenidades formavam um rito de passagem, onde todos os participantes se adornavam de modo especial, semelhante ao que fazemos ainda hoje. Tal como nossos antepassados, vestimos roupas especiais para que através do figurino possamos endossar uma nova fase na vida. Os magos, feiticeiros, tinham uma indumentária para os rituais que os colocavam num estado de transe chamado “Estado Numem”. O que isto significa? Ser tomado por uma nova identidade. Em nada se refere aos estados de possessão espiritual que significa ser alterado por uma intervenção exterior.

O Numen é uma transformação interna, realizada por uma profunda identificação com o papel condizente ao rito. Como se a menina se transformasse em mulher através da identificação com a nova fase da vida. Estar possuído neste aspecto é estar imbuído em ser.

Tudo na vida necessita de um bom rito de passagem, alguns deles as pessoas realizam sem se dar conta disto… O deitar, o ler antes de dormir é um modo de sair de uma condição para ingressar em outra. Você já viu como é difícil dormir quando não se está desejante em fazê-lo?

O médico com sua roupa especial; o juiz com sua toga, o padre com a batina, a freira com seu hábito, os uniformes militares com medalhas e tantas outras vestes que adornam o corpo como forma de ritualizar a imersão da pessoa num determinado papel. Coloca-la no estado numen.

Somos repletos de ritos. O nascimento; o batizado; a primeira comunhão; o bar mitzvah; o bar mixva, a festa dos 15 anos; o casamento, a formatura, os aniversários de todos os gêneros, o enterro, as passagens de ano e outros tantos que ritualizam e, portanto sinalizam a passagem de uma condição para outra.

Os ritos foram criados para que nossa mente pudesse contextualizar a nova etapa, para que pudéssemos deixar para traz a condição psicológica anterior e se envolver na posterior.

Escrevo esta crônica, na espera do meu embarque para Paris, para se cumprir em minha vida mais uma nova temporada de três meses, que realizo há exatos vinte anos.

Durante esta transição, que é também um rito de passagem, deixo adormecer aos poucos certos traços meus que só existem aqui no Rio de Janeiro. Através do desejo de ir e de viver bem adaptado as dinâmicas cotidianas do novo contexto, faço acordar os aspectos psicológicos que me inserem na nova cultura. Habilito-me aos poucos a minha identidade para que eu possa viver sem divisão a realidade que me espera. Como se um pedaço de mim me aguardasse para renascer… Um só lá emerge.

Tem pessoas que chegam a Paris atrás de Guaraná. Tem pessoas que vivem como se estivessem fora do lugar em total posição de exclusão, de comparação e de crítica. Não conseguem criar identificações com o novo e o diferente. De algum modo sofrem, pois se indispõem a se colocarem esparramados, entregues ao momento, ao lugar. Se fazem sem habilidades para vivenciarem bem as experiências.

O que é o sofrimento senão a resistência à nova condição?

 O que é o sofrimento senão a inabilidade de se se inserir no novo contexto?

O que é o sofrimento senão a inaceitação de uma inevitável realidade que deve ser assumida?

Por resistência e às vezes até por teimosia, não realizam o rito de passagem, não se abrem ao que o momento exige. Para cada ocasião uma roupa. Não é esta a regra da adequação e portanto da verdadeira elegância? Do mesmo modo, que para cada ocasião existe uma roupa a se usar, na elegância psicológica existe também os modelos constituídos de traços e formas para se vestir de modo adequado para as ocasiões.

O homem da praia que joga frescobol no feriado, não é o mesmo que com sua toga de juiz pondera os julgamentos e também não é o mesmo que namora sua mulher.  Existe uma linha contínua em sua personalidade, mas deixa acentuar traços específicos que o habilita ao saber viver cada papel, cada aspecto da vida.

Agora estou no avião já há algum tempo e começo a sentir o cheiro do café, um rito que anuncia a proximidade com a chegada. Assim ponho uma aliança com este momento para estar casado com estes futuros que se aproximam, como os noivos que se aliançaram com um novo porvir.

Ao chegar nesta cidade, já logo fui habilitar meu celular daqui e comprar meu Pariscope, que chamo de minha agenda de trabalho francesa, pois a estudo profundamente para ficar inteirado com a dinâmica da vida da cidade.

Nesta pesquisa inicial descobri um filme que  se chama Thérèse Desqueyroux com Audrey Tautou sob a direção de Claude Miller que é um sucesso por aqui.

Ao comentar sobre o filme durante um jantar, com um amigo, soube através dele que o diretor Claude Miller decidiu realizar este filme apesar do câncer que ele enfrentava. Contou-me que um dia o cineasta chegou ao Set de filmagem muito bem arrumado. A atriz francesa Audrey Tautou o vendo tão elegante se espantou, sobretudo porque sabia que rodariam muitas cenas e que o dia então seria muito extenuante e as filmagens portanto exigiam ao diretor roupas mais práticas… Espantada, falou: “Nossa Claude! Para que esta elegância toda?” e ele a respondeu: “Hoje vou fazer um exame, e me vesti assim para impressionar a doença!” e continuou “Afinal quando estamos muito bem vestidos as pessoas nos tratam com mais cerimônia, não é mesmo?” e concluiu: “Quero que esta doença tenha bastante cerimônia comigo.”

Achei impressionante esta postura. Reflete tudo o que precisamos compreender para viver bem a vida: aceitação; habilitação; inteligência emocional e continuidade.

Os noivos Fe e Leleco se organizaram internamente e externamente para viverem a nova etapa de vida e para que esta relação seja sempre possível devem se vestir do renovado desejo em permanecer juntos e calçar os confortáveis sapatos das habilidades para intimidarem o mal no amor.

Claude Miller vestiu sua alma com as melhores ideias sobre como se conduzir na vida diante dos sustos que o destino prega.

Todos se habilitaram de algum modo para estarem no “Estado Numem”.

No cenário das cerimônias deve estar sempre elementos de sabedoria, de amor a vida e sobretudo do desejo de saber a respeito do que é realmente a Vida Boa.

Vida Boa? É semelhante a Festa Boa. É aquela que apesar dos pesares todos estão oferecendo o melhor de si mesmo.

Festa Boa é sempre aquela que todos se vestiram externamente e internamente para aproveitarem bem o contexto.

Viver é, sobretudo, saber representar como Claude, com elegância o que cada papel exige.

Claude além de um grande cineasta foi um grande diretor de si mesmo. Soube atuar na vida.

Um ser elaborado é um ser “Inuminado”. Busca dentro o que precisa encontrar para enfrentar fora. Aprende a se tornar um grande diretor de seus próprios ritos de passagem. Aprende com arte o saber ser, o saber atuar… Pois a vida é um palco… Mas sem saber atuar, ela se transforma num tatame.

No tatame só lutas, já no palco histórias de lutas.

A diferença? Ahhh… Sente-se num café e pense bem.

Prof. Manoel Thomaz Carneiro

Clique AQUI para ver o blog do Manoel.

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